Neurologia ou Psiquiatria

Aspecto Desatento em Sala de Aula

Vamos falar do caso da Julia (nome fictício), 9 anos.

A mãe relata que a menina tem problemas de “apagões em sala de aula” e que as professoras queixam que ela não presta atenção nas aulas, pois quando lhe fazem perguntas, parece estar no mudo da lua.

Informa que tem notas ruins e não consegue copiar tudo do quadro.

Em casa não há queixas, que brinca normalmente enquanto assiste televisão, usas os objetos adequadamente, dirige o olhar normalmente enquanto conversa com as pessoas, é um pouco tímida com quem ainda não conhece.

Para dormir a noite é um pouco difícil, por vezes tem enurese e come muito pouco, por isso seria magrinha afirma a mãe.

Além do encaminhamento apresenta-me relatório pedagógico onde verifico que a professora aponta para comportamento quieto, tímido e desatento da estudante.

 

Antecedentes Pessoais

É a única filha, nascida de parto vaginal, amamentou normalmente, não teve internações, andou e falou como habitual logo depois de um ano de idade.

A mãe nega que tenha tidos convulsões, desmaios ou perda de movimentos. Refere que a filha é bem inteligente, mas esquecida e desorganizada, tendo de ser ajudada para se aprontar para a escola.

Perda da Consciência durante Crise Convulsiva

Já levou no oftalmologista devido a queixa de não copiar, mas que o exame oftalmológico foi normal, não sendo indicado óculos.

Recentemente esteve no mesmo Ambulatório de Especialidades com o Neurologista, contou sobre os mesmos problemas, sendo solicitado TC de crânio e EEG, os quais não conseguiu marcação pelo SUS e também não pode pagar.

Mostra-me as solicitações do colega médico com a indicação dos exames por suspeita de Epilepsia tipo Ausência quanto aos “apagões em sala de aula”.

 

Antecedentes Familiares

A mãe tem ensino médio e trabalha em secretaria escolar. Não há relato de doenças mentais em tratamento e a mãe desconhece algum diagnóstico psíquico na família.

 

Exame Clínico

A criança é ativa, o ser chamada prontamente atendeu levantando-se e depois de com o olhar conferir que sua mãe também levantara se dirigiu ao consultório.

Na sala enquanto entrevisto a mãe mantém o foco disperso olhando os objetos e trocando olhares com os alunos do internato que assistem ao atendimento.

Tem aparência geral bem cuidada, estatura adequada para idade, mas com baixo peso.

Contato Visual Duradouro = Comunicação

Quando indagada, mantem contato visual adequado com o examinador, afere as perguntas e responde de forma tímida, tem inteligência satisfatória, não há sinais para alucinações ou delírios, comportamento cooperativo durante a avaliação e não se observou tiques ou maneirismo.

 

Discussão Diagnóstica

Estamos diante de uma criança com demonstração de vários aspectos físicos e neurológicos normais, quais sejam?

Nascimento e desenvolvimento neuropsicomotor habituais, não tem histórico de crises epilépticas, pois não há histórico de quedas ou ferimentos e sequer hospitalizações.

Existe um nítido histórico de prejuízo escolar, sem prejuízo do convívio familiar e já foi investigada e não há deficiência visual e ao ser chamada na sala de espera ficou demonstrado que não há prejuízo de audição ou cognitivo.

O bom contato interpessoal, o histórico de uso dos objetos conforme sua utilidade e a comunicação efetivo demonstram que não há transtorno invasivo da infância, estando excluída hipótese de TEA.

Contudo a história e exame durante a entrevista são típicos para TDAH, com predomínio para desatenção, como é típico na meninas (no mundo da lua), ao contrário dos meninos, predominantemente hiperativos (hipercinéticos).

 

Conduta

Orientado a mãe sobre o diagnóstico, tratamento e prognóstico e que por ora poderia aguardar para fazer os exames somente se viessem a se demonstrar necessários.

Escolhido combinar um tricíclico com estimulantes, solicitado que a mãe conduzisse as atividades escolares em casa e solicitado retorno.

 

Evolução

Em dois meses retornaram com a mãe relatando que o sono melhorou, que não aconteceu mais enurese e que nas notas ainda não notaram porque ainda não fizeram provas, mas que o caderno está bem mais completo e as professoras já tem notado progresso positivo da aluna em sala.

Estímulo e Supervisão em Casa

A mãe pede se precisa fazer os exames, então explico que eu nos os solicitaria, mas que foi o outro médico que pediu, então ela precisa escolher, se manter o tratamento ou fazer exames diante dos fatos que se demonstraram.

Expliquei que o colega como neurologista, fez a obrigação dele, que seria pesquisar doenças neurológicas, como anormalidades cerebrais físicas na TC e Epilepsias no EEG, mas que não temos indícios na história clínica e os resultados do tratamento para TDAH foram bons, confirmando nossa suspeita diagnóstica.

 

Conclusão

Muito mais importante que os exames complementares é se detalhar a historia do paciente, a observação do paciente me sala e a descrição dos comportamento pelos familiares.

A indagação dirigida do profissional pesquisando as enfermidades mais frequentes e pertinentes ao caso com prejuízo escolar e avaliar os relatórios elaborados pela escola fez esclarecer o que seriam os “apagões em sala de aula.”

No caso em tela, muito provavelmente, se tivesse feito os exames estes seriam normais e ganharia alta da neurologia com a informação de que tudo estava normal, que não haveria doença e a criança continuaria com prejuízo escolar.

O valor que não dispendeu em comprar TC e EEG provavelmente será suficiente para comprar os medicamentos por alguns anos.

Lembrando que deverá usar continuamente, ao menos até a adolescência, quando o amadurecimento e as terapias poderão dar conta dos sintomas da Desatenção que podem se manter na vida adulta em 50% dos casos.